Panorama das teorias do jornalismo 3: o papel e a produção da notícia

BIBLIOGRAFIA: KUNCZIK, Michael. Conceitos de jornalismo. São Paulo: Edusp, 2002. // PENA, Felipe. Teoria do jornalismo. São Paulo: Contexto, 2005.
OBRAS/AUTORES CITADOS: SIEBERT,F., PETERSON, T. & SCHRAMM, W. Four theories of the press. Urbana, Illinois, 1956. // BIONDI, Aloysio. Padrões de manipulação na grande imprensa. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1996.

Um enfoque normativo sobre o funcionamento dos meios noticiosos aponta para o fato de que a imprensa molda suas notícias de acordo com as estruturas sociais, políticas e econômicas nas quais está inserida. A partir desta idéia, KUNCZIK (2002) nos apresenta as “quatro teorias da imprensa” desenvolvidas por SIEBERT, CHRAMM e PETERSON (1956): teoria autoritária; teoria liberal; teoria do comunismo soviético; e teoria da responsabilidade social.
A primeira e mais antiga, a teoria autoritária, remonta ao século XVI, quando surgiu a filosofia estatal do absolutismo. Nesta época, o papel da imprensa era o de promover a política do governo e servir ao Estado, o que levava os editores a serem controlados e censurados. Com o Iluminismo e o conseqüente crescimento das liberdades políticas, econômicas e religiosas, o papel da imprensa se inverteu: ela passou a buscar a “verdade” e a controlar o Estado em vez de servi-lo. Surge, então, a teoria liberal, que teve seu apogeu no século XIX e que trouxe à tona as noções do jornalismo como “quarto poder” e do “livre mercado de idéias”.
De acordo com KUNCZIK (2002), as teorias do “comunismo soviético” e da “responsabilidade social” derivam dessas duas primeiras. A teoria do comunismo soviético seria um desenvolvimento da teoria autoritária porque, segundo ela, a principal função da imprensa é a de apoiar o sistema e o partido socialistas. Controlados diretamente pelo Estado, os meios de comunicação são extensões do governo, não visam o lucro e veiculam notícias nas quais a interpretação é secundária. Tudo isto com o objetivo de, através do desenvolvimento e da mudança estrutural da sociedade, chegar ao comunismo. Já a teoria da responsabilidade social chama a atenção para o fato de que o financiamento comercial do “livre mercado de idéias” trouxe prejuízos ao público, uma vez que a auto-regulamentação e o auto-controle dos meios de comunicação de massa é uma fantasia. Por isso, a imprensa deve ser livre e socialmente responsável, servindo ao sistema político para que haja acesso aos atos públicos; informando o público para que ele adote ações autônomas; protegendo os direitos do indivíduo através da vigilância sobre o governo; servindo ao sistema econômico através da publicidade; e preservando sua autonomia financeira.
A partir deste cenário das quatro grandes teorias da imprensa, podemos enveredar na sistematização de PENA (2005) sobre as diferentes teorias e as críticas do jornalismo. Inicialmente, o autor nos aponta a teoria do espelho, segundo a qual o jornalismo reflete exatamente a realidade. Com bases no século XIX, esta teoria busca aproximar o jornalismo do método científico e tem como princípio básico a separação entre fatos e opiniões através de uma linguagem neutra, o que faz do jornalista um mero observador desinteressado do real. Este “sujeito observador” nos abre entendimento para a teoria do gatekeeper, que privilegiar a ação pessoal do jornalista, uma vez que diz respeito ao poder de decisão que determinados indivíduos têm na seleção das informações que irão para o noticiário. Esta idéia reforça a noção de intencionalidade na produção noticiosa, bem como a idéia do poder exercido pelo jornalista e a questão do fluxo da informação na sociedade contemporânea.
Por outro lado, a teoria do newsmaking diz que o jornalismo ajuda a construir a realidade, em vez de apenas refleti-la. Construtivista, esta teoria aceita que as notícias são vinculadas à realidade, mas também são determinadas pela organização do trabalho jornalístico e pelos processos de produção noticiosa. Isto porque a superabundância de fatos no cotidiano necessita de uma organização produtiva que segue uma rotina industrial. Concomitantemente, como as normas de produção são mais importantes que as preferências pessoais, o jornalista se submete a um planejamento produtivo no qual a seleção dos fatos e a maneira de abordá-los são cruciais. Nesse sentido, a teoria organizacional prega que o trabalho jornalístico depende dos meios utilizados para sua efetivação. Como o objetivo primeiro das organizações midiáticas é o lucro, esta teoria nos diz que o alcance (ou a audiência) das mensagens noticiosas é determinante no trabalho jornalístico. Isto equivale a dizer que o jornalista é um indivíduo que acata a política e as normas editoriais da empresa na qual trabalha em detrimento de suas escolhas e de seus valores pessoais. De acordo com esta idéia, o jornalista não orienta suas escolhas pensando no público e sim nos superiores, no mercado das notícias e no lucro.
Seguindo esta linha, a teoria instrumentalista afirma que as notícias servem a determinados interesses políticos. Baseada em estudos sobre a parcialidade, esta linha de análise verifica a presença ou não de distorções nos textos noticiosos; distorções estas que podem ser detectadas a partir de um ponto de vista “de esquerda” (segundo o qual as notícias são mantenedoras do sistema capitalista) ou “de direita” (segundo o qual as notícias questionam o sistema capitalista). Aqui, PENA (2005) chama a atenção para cinco padrões de manipulação engendrados pela notícia e estudados por BIONDI (1996):
1. padrão de ocultação- refere-se à ausência de determinados fatos reais no noticiário;
2. padrão de fragmentação- refere-se à descontextualização dos fatos noticiados de seus antecedentes e de suas conseqüências, bem como à desconexão entre os fatos presentes no noticiário;
3. padrão de inversão- refere-se à valorização do que é noticiado, através de uma espécie de substituição da importância de conteúdos, fatos e informações pelas suas formas, versões e opiniões;
4. padrão de indução- refere-se a uma série de distorções que levam o público a enxergar uma realidade artificialmente inventada;
5. padrão global- refere-se á apresentação da realidade como algo absoluto.
A partir deste panorama acerca das teorias do jornalismo, partiremos para o entendimento acerca dos critérios que estabelecem quais e como os fatos se transformam em notícia. Ou seja: estudaremos os critérios da noticiabilidade e a rotina de trabalho do repórter.
Para isto, precisamos entender primeiro quem é o indivíduo pressionado pelas diferentes “forças” que analisamos até aqui. E que atende pelo nome de “repórter”: um sujeito dividido entre o que o jornalista Ricardo Kotscho chama de “a missão de informar para transformar” e o que o teórico Ciro Marcondes Filho chama de “a saga dos cães perdidos”.
Vamos a eles no próximo texto.

Comentários

Oi, professora. Sou Carolina - a "motoqueira" que você sugeriu fazer pauta sobre a nova lei do tráfego em corredores. No final desse texto há referência a um próximo texto, mas cadê ele? Tô meio complicada fazendo o trabalho e algo me diz que esse tal próximo texto me ajudaria! :) Obrigada.
Unknown disse…
ola ate agora o seu texto e o melhor que encontrei na net sobre as 4 teorias do jornalismo - valeu por tudo vc simplificou bastante
abraco
InDesigner disse…
ahhh meu nome e Abigail e a unica coisa que nao estou encontrando sao exemplos destes textos na net... principalmente da teoria do comunismo e da responsabilidade social, nao estou sabendo ifdentifica-los meu e-mail 'e abigailsander51@hotmail.com
Chandra Santos disse…
Oi Professora! :]

Gostei bastante do texto! Umas teorias já havia ouvido falar na aula de Teoria 1, mas as outras, ainda vou ver em Teoria 2. Obrigada por mais essa "aula online"! Tão boa quanto a presencial!

Abraço

Chandra Santos

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