A pirâmide invertida e o lide

Se produzir o texto de uma notícia é contar uma história, então, é preciso estar atento aos elementos que constituem uma narrativa: fato, tempo, lugar, causa, modo, personagens, conseqüência. Eles estão presentes em QUALQUER história que a gente conte, seja ela real, fictícia, científica, religiosa etc. São estes elementos que, no jargão jornalístico, são denominados como o que, quando, onde, porque, como e quem.
A peculiaridade da NARRATIVA NOTICIOSA está no fato de que a história contada não se estrutura a partir da ordem cronológica dos acontecimentos. Ou seja: ao noticiarmos um acontecimento, não contamos esta história na ordem temporal clássica das ações que o compõem. É por isso que dizemos que a notícia é formatada pela PIRÂMIDE INVERTIDA.
Por que invertida?
Porque se a história noticiosa fosse formata pela pirâmide normal, o fato seria relatado em sua ordem cronológica.
Mas, “inverter a pirâmide” não significa narrar o acontecido de trás para frente. Longe disso.
“Inverter a pirâmide” significa começar a contar a história indo direto a que conseqüências algo levou. Para isso, precisamos agrupar as informações mais diretas e objetivas relativas aos elementos o que, quem, como quando, onde e porque. E isto deve ser feito logo no primeiro parágrafo do texto, que é chamado de LIDE.
Resumindo: a estrutura tradicional do texto noticioso é o da pirâmide invertida, composta pelo agrupamento hierárquico das informações referentes aos elementos básicos da narrativa, agrupamento este que é liderado pelo lide (o que, aliás, é um pleonasmo, porque “lide” é o aportuguesamento da palavra inglesa lead, que significa “liderar”).
Nilson Lage nos mostra que o lide é o relato do que há de essencial e importante no encadeamento de uma seqüência de fatos. Segundo ele, sua forma clássica se traduz em uma PROPOSIÇÃO COMPLETA, traduzida pela seguinte “arrumação”:
Proposição completa = sintagma nominal (sujeito) + sintagma verbal (predicado) + sintagma circunstancial (circunstâncias)
Só para esclarecer, um “sintagma” é a combinação de elementos para a formação de uma unidade léxica, locucional ou oracional. No caso do texto jornalístico noticioso, o sintagma nominal é o quem, o sintagma verbal é o que e os sintagmas circunstanciais são o como, o quando, o onde e o porque.
Além disso, Nilson Lage também chama nossa atenção para a documentação, que é o complemento do lide. Esta documentação é estruturada em um, dois ou mais parágrafos que detalham e acrescentam informações sobre o sintagma verbal (a ação verbal, o que aconteceu), os sintagmas nominais (com quem aconteceu a ação ou a quem a ação atingiu) e os sintagmas circunstanciais (como, quando, onde e porque aconteceu).
Mas “a coisa” não pára por aí. As configurações sintagmáticas darão origem a diferentes tipos de lide e, conseqüentemente, a diferentes tipos de notícias (ou de relatos jornalísticos). Luis Henrique, Marques, por exemplo, listou as diversas maneiras de composição do lide, compilando o que dizem os autores Mário Erbolato, Muniz Sodré, Maria Helena Ferrari e Alexandre Castro.
Para Mário Erbolato, a organização dos elementos narrativos pode originar os seguintes tipos de lide:
lide simples- refere-se apenas a um fato principal;
lide composto- abre a notícia anunciando vários fatos importantes;
lide integral- relaciona todas as informações objetivas sobre o fato;
lide suspense ou dramático- provoca emoção em quem lê;
lide relâmpago- anuncia o fato de forma extremamente resumida;
lide citação- anuncia o fato através do discurso direto;
lide contraste- relata um fato através de situações antagônicas;
lide documentário- historiciza o fato;
lide pessoal- anuncia o fato interpelando o leitor.

Além disso, Mário Erbolato também nos mostra que o lide pode PRIORIZAR um dos elementos da narrativa. Assim:

quem- prioriza o sujeito ativo e/ou o sujeito passivo da ação verbal;
o que- prioriza a ação verbal executada e/ou sofrida;
como- prioriza o modo, a forma pela qual a ação foi executada e/ou sofrida;
quando- prioriza a circunstância ou a contextualização temporal da ação;
onde- prioriza a circunstância espacial da ação;
porque- prioriza o motivo que desencadeou a ação executada e/ou sofrida.

Lembra daquele “papo” sobre a sensação? Pois é, como uma das funções do lide é a de “prender” o leitor para que ele leia a matéria inteira, é bom darmos uma espiada no que Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari dizem sobre ele. Para os autores, o lide pode “aguçar” o leitor ao realçar:
a visão- quando abre a matéria de forma fotográfica, cinematográfica ou descritiva;
a audição- quando abre a matéria com uma citação ou declaração real ou imaginária;
a imaginação- quando a abertura efetua uma comparação ou é imaginativa;
a pessoa- quando a abertura conta uma história pessoal ou coloca o leitor em cena;
as fórmulas- quando abre a matéria com frases feitas ou clichês;
as palavras- quando abre a matéria utilizando trocadilhos, paradoxos ou piadinhas.

Já Alexandre Castro lista algumas fórmulas para a abertura das matérias. São elas:
fórmula do “AO”- abre a matéria relacionando dois fatos, enfatizando o que for referido em segundo lugar;
fórmula do “ENQUANTO”- abre a matéria associando fatos contraditórios;
fórmula do “EMBORA/MESMO/APESAR DE”- abre a matéria associando fatos produzidos por fontes diferentes ou confrontando dados fornecidos por uma mesma fonte;
fórmula das “ASPAS”- abre a matéria destacando o caráter contundente, ridículo, pitoresco ou insólito de uma declaração;
fórmula do “COM”- abre a matéria destacando uma informação relativa ao objetivo ou à explicação de um fato;
fórmula do “POR”- semelhante à fórmula do “com”, abre a matéria citando uma informação que, apesar de aparentemente complementar, tornou-se importante pela própria dinâmica do acontecido;
fórmula do “GERÚNDIO” (é... ele não é tão demonizado assim...)- abre a matéria destacando uma informação através da subversão da ordem direta;
fórmula do “PARTICÍPIO”- abre a matéria também através da subversão da ordem direta, com a intenção de fazer uma afirmação indiscutível antes de citar o sujeito do fato e/ou sua ação.
Uau! Aposto que você não imaginava que o lide poderia ter tantas faces, não é mesmo?! E aposto também que você deve estar sentindo falta de EXEMPLOS.
Acertei?!
Mas eu não vou dá-los. Primeiro porque estes textos não são para FACILITAR a sua vida e sim para AJUDAR você a entender melhor as técnicas de redação do texto noticioso impresso.
Por isso, mãos à obra. Se você quiser conferir, na prática, estes tipos de lide, trate de “colar o nariz” no livro de um dos autores citados e, principalmente: LEIA JORNAIS.
Afinal, quem não lê também não escreve.

Comentários

Tonello disse…
Adorei essa matéria sobre a piâmide invertida e o lide .
Oi,
Encontrei ocasionalmente o seu blog quando procurava por uma imagem que ilustrasse um texto meu sobre "a mobilidade nas redacções noticiosas e o papel dos assessores de impresa" publicado no meu blog www.olhoensaios.blogspot.com

Gostei do que vc escreve. Vou recomendar a sua pág. a meus colegas e seminariados.
Ana Maria silva disse…
Que matéria importante adorei, aprendi muito sobre lide. Muito obrigada.
EdCampanate disse…
Bastante noticosa,adorei.

Postagens mais visitadas deste blog

Descrição estrutural de pauta de investigação jornalística

Técnicas redacionais em jornalismo impresso