Panorama das teorias do jornalismo 1: o método jornalístico
BIBLIOGRAFIA: BUCCI, Eugênio in GOMES, Mayra Rodrigues. Poder no jornalismo. São Paulo: EDUSP, 2003. // KOVACH, Bill & ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do jornalismo: o que os jornalistas devem saber e o público deve exigir. São Paulo: Geração Editorial, 2003. //
Segundo BUCCI (in GOMES: 2003), o jornalismo consolida aquilo que chamamos de realidade em vez de “retratar a realidade”. Para o autor, o fato jornalístico já nasce como relato, uma vez que isto dará a ele um sentido narrativo. Um episódio pode nascer como evento, cena, imagem ou ícone e é a notícia que, como elemento discursivo, funcionará como elo de um discurso maior. Estes eventos, imagens, ícones ou cenas são o que o autor chama de “atos de fala”, que interferem no discurso do mundo sobre o mundo para alcançar visibilidade e, conseqüentemente, a condição de notícia. “Entender os fatos é, quase sempre, entender o discurso que eles procuram articular por meio dos relatos jornalísticos” (BUCCI in GOMES: 2003, p.10). Um fato seria, assim, a versão que ele gera, o que equivaleria a dizer que a realidade não antecede o discurso: o que chamamos de realidade é sempre a realidade discursiva. Porém, os jornalistas, freqüentemente, não se dão conta da separação entre fato e relato, supondo que os eventos sempre se dão independentemente da presença ou do olhar do observador.
Para BUCCI (in GOMES: 2003), o fluxo das notícias ordena os fatos e o discurso jornalístico é o ordenador daquilo que chamamos realidade. E a realidade, por sua vez, é composta pelos significados que compõem a comunicação social. O discurso jornalístico hierarquiza sentidos e valores, preconiza condutas e modos de falar e separa o dizível do indizível, exercendo uma função normatizadora e punitiva a partir de um mundo que só existe porque é descrito. Apesar disto, o autor ressalta a importância do papel democrático desempenhado pelo jornalismo, o que justifica sua crítica em relação à tão falada “neutralidade”. Aqui, abre-se a questão em relação à tarefa (pertinente ao jornalismo) de produzir textos não-ficcionais: uma tarefa que parte da coleta das informações, passa pelo entendimento sobre elas e desemboca em sua transmissão ao receptor.
É em função disto que KOVACH & ROSENSTIEL (2003) afirmam que a essência do jornalismo é a disciplina da verificação, uma vez que é ela que separa esta área de atuação do entretenimento, da propaganda, da literatura e das artes. Para os autores, esta disciplina da verificação compreende métodos muito pessoais, mas também parte, de forma geral, do conceito da objetividade. Inicialmente, o termo apareceu para que os jornalistas desenvolvessem uma forma eficaz de testar a informação para que seus preconceitos pessoais ou culturais não prejudicassem a exatidão de seu trabalho. Ou seja: para incutir uma espécie de “espírito científico” no trabalho jornalístico, que deveria dar um enfoque transparente às provas disponíveis para relatar os fatos. Com isso, sugere-se que o que é objetivo é o método jornalístico e não o jornalista ou o jornalismo em si. É por isto que os autores chamam a atenção para o fato de que
“Os jornalistas que selecionam as fontes para expressar o que na verdade é seu próprio ponto de vista e depois usam a voz neutra para que tudo pareça bem objetivo, estão trapaceando. Isso prejudica a credibilidade da profissão ao fazê-la parecer sem princípios, desonesta e preconceituosa”. (KOVACH & ROSENSTIEL: 2003, p.117)
A introdução da tecnologia no dia-a-dia do jornalismo, porém, enfraquece a metodologia de verificação criada pelos jornalistas, uma vez que a facilidade na obtenção, na reescrita e no redirecionamento dos fatos debilita o processo de checagem: gasta-se mais tempo procurando dados e declarações para serem acrescentados a uma matéria ou reportagem do que investigando-os. Em lugar do “jornalismo de verificação”, emerge o que os autores chamam de “jornalismo de afirmação”, no qual os jornalistas se ocupam mais em sintetizar a grande massa de informações, principalmente as da internet. Isto faz com que os dois grandes princípios da isenção e do equilíbrio se tornem meras técnicas de fachada. Ou seja: uma boa reportagem não é aquela que simplesmente apresenta as declarações de “ambos os lados”, não só porque uma história pode ter mais de dois lados como também porque, às vezes, pode ter apenas um.
O aprimoramento da qualidade da informação e da discussão pública pode, segundo os autores, ser conseguido através da melhoria da disciplina da verificação, que deve ser mais consciente. Para reforçar o jornalismo de método objetivo, a ciência da reportagem deve seguir cinco princípios: nunca acrescentar o que não existe; nunca enganar o público; ser transparente sobre os métodos e motivos da reportagem; confiar apenas no próprio trabalho de investigação; trabalhar com humildade.
Se uma informação não puder ser checada, verificada, não deve ser utilizada. É por isso que os autores afirmam que reconstruir diálogos, utilizar personagens compostos, sintetizar os fatos e transportar pessoas no tempo são “truques” que não devem ser utilizados pelos jornalistas. O recurso de rearranjar os fatos no tempo e no espaço ou fundir personagens e eventos transforma a não-ficção em ficção. Ao utilizar uma citação, a troca de palavras que não seja para corrigir erros gramaticais deve ser sinalizada ao público. Ao utilizar citações que não testemunhou, o jornalista também deve indicar que a reconstituição deste diálogo foi precedida de verificação. Outra questão está no fato de que o público deve ser informado sobre “como sabemos o que sabemos”: quais são nossas fontes, o que essas fontes sabem, que preconceitos elas demonstram e, principalmente, se há relatos conflitantes com os delas.
Isto traduz o que os autores chamam de “regra da transparência”, que é o elemento mais importante para a melhoria da disciplina da verificação. É ela que permite que o público julgue a validade da informação veiculada, o processo através do qual ela foi obtida e os motivos pelos quais o jornalista julgou importante transmiti-la. Concomitantemente, o empenho do jornalista em ser transparente é fundamental para mostrar seu compromisso com a verdade, é uma das chaves para a credibilidade.
Tal e qual o princípio que orienta o método científico, o jornalismo deve explicar como conseguiu determinada informação e porque confia nela: é isto o que vai fazer com que o público possa e queira reproduzir esta informação. Afirmar simplesmente que “fontes disseram” é uma violação à regra da transparência.
Por outro lado, esta regra da transparência também vale para a relação dos jornalistas com suas fontes, não só porque que elas devem ser informadas sobre o ângulo real da matéria como também porque a negociação do anonimato deve levar em conta os desvios de interesse. Da mesma forma, é preciso avaliar meticulosamente a validade da utilização do disfarce clandestino, aquele que engana a fonte para conseguir informação. Esta avaliação deve, segundo os autores, seguir três princípios: a informação a ser adquirida deve ser vital ao interesse público; o recurso do disfarce está sendo utilizado porque não existe outra forma de conseguir a informação; o público deve ser alertado de que o jornalista manipulou a fonte, explicando a importância da informação para o interesse público e o fato de que esta manipulação foi a única maneira possível de conseguir a informação.
Os autores também listam uma série de técnicas para a disciplina da verificação, a saber:
1. fazer uma edição cética, ou seja, questionar as matérias sem, com isto, estar questionando a integridade do jornalista- o método consiste em julgar uma matéria linha por linha, declaração por declaração, editando as afirmações e os fatos de forma a remover não só os erros factuais como também os erros inconscientes de afirmação e de narrativa (coisas que as pessoas “acreditam” que são verdadeiras);
2. fazer uma lista de exatidão, através da qual o editor deve responder a seis perguntas- o lide da matéria tem consistência?; alguém rechecou os dados da matéria?; as informações colhidas permitem entender a matéria completa?; todas as pessoas que aparecem na matéria estão identificadas e tiveram a oportunidade de emitir seus pontos de vista?; a matéria toma partido ou faz julgamentos de valor?; todas as declarações são exatas e bem atribuídas, captando com precisão o que disseram os entrevistados?;
3. aproximar-se das fontes básicas, evitando repetir sem verificação os relatos ou informações oficiais- a técnica consiste em cruzar os dados referentes ao que é/foi divulgado com a checagem individual com quem/o que divulgou.
Em todas estas técnicas de verificação, os autores ressaltam a importância do comprometimento com a verdade, ou seja: os jornalistas devem aplicar métodos transparentes e sistemáticos de verificação para poderem, como diz BUCCI, fazer com que as pessoas entendam os fatos, o que é, quase sempre, entender o discurso que eles procuram articular por meio dos relatos jornalísticos.
Segundo BUCCI (in GOMES: 2003), o jornalismo consolida aquilo que chamamos de realidade em vez de “retratar a realidade”. Para o autor, o fato jornalístico já nasce como relato, uma vez que isto dará a ele um sentido narrativo. Um episódio pode nascer como evento, cena, imagem ou ícone e é a notícia que, como elemento discursivo, funcionará como elo de um discurso maior. Estes eventos, imagens, ícones ou cenas são o que o autor chama de “atos de fala”, que interferem no discurso do mundo sobre o mundo para alcançar visibilidade e, conseqüentemente, a condição de notícia. “Entender os fatos é, quase sempre, entender o discurso que eles procuram articular por meio dos relatos jornalísticos” (BUCCI in GOMES: 2003, p.10). Um fato seria, assim, a versão que ele gera, o que equivaleria a dizer que a realidade não antecede o discurso: o que chamamos de realidade é sempre a realidade discursiva. Porém, os jornalistas, freqüentemente, não se dão conta da separação entre fato e relato, supondo que os eventos sempre se dão independentemente da presença ou do olhar do observador.
Para BUCCI (in GOMES: 2003), o fluxo das notícias ordena os fatos e o discurso jornalístico é o ordenador daquilo que chamamos realidade. E a realidade, por sua vez, é composta pelos significados que compõem a comunicação social. O discurso jornalístico hierarquiza sentidos e valores, preconiza condutas e modos de falar e separa o dizível do indizível, exercendo uma função normatizadora e punitiva a partir de um mundo que só existe porque é descrito. Apesar disto, o autor ressalta a importância do papel democrático desempenhado pelo jornalismo, o que justifica sua crítica em relação à tão falada “neutralidade”. Aqui, abre-se a questão em relação à tarefa (pertinente ao jornalismo) de produzir textos não-ficcionais: uma tarefa que parte da coleta das informações, passa pelo entendimento sobre elas e desemboca em sua transmissão ao receptor.
É em função disto que KOVACH & ROSENSTIEL (2003) afirmam que a essência do jornalismo é a disciplina da verificação, uma vez que é ela que separa esta área de atuação do entretenimento, da propaganda, da literatura e das artes. Para os autores, esta disciplina da verificação compreende métodos muito pessoais, mas também parte, de forma geral, do conceito da objetividade. Inicialmente, o termo apareceu para que os jornalistas desenvolvessem uma forma eficaz de testar a informação para que seus preconceitos pessoais ou culturais não prejudicassem a exatidão de seu trabalho. Ou seja: para incutir uma espécie de “espírito científico” no trabalho jornalístico, que deveria dar um enfoque transparente às provas disponíveis para relatar os fatos. Com isso, sugere-se que o que é objetivo é o método jornalístico e não o jornalista ou o jornalismo em si. É por isto que os autores chamam a atenção para o fato de que
“Os jornalistas que selecionam as fontes para expressar o que na verdade é seu próprio ponto de vista e depois usam a voz neutra para que tudo pareça bem objetivo, estão trapaceando. Isso prejudica a credibilidade da profissão ao fazê-la parecer sem princípios, desonesta e preconceituosa”. (KOVACH & ROSENSTIEL: 2003, p.117)
A introdução da tecnologia no dia-a-dia do jornalismo, porém, enfraquece a metodologia de verificação criada pelos jornalistas, uma vez que a facilidade na obtenção, na reescrita e no redirecionamento dos fatos debilita o processo de checagem: gasta-se mais tempo procurando dados e declarações para serem acrescentados a uma matéria ou reportagem do que investigando-os. Em lugar do “jornalismo de verificação”, emerge o que os autores chamam de “jornalismo de afirmação”, no qual os jornalistas se ocupam mais em sintetizar a grande massa de informações, principalmente as da internet. Isto faz com que os dois grandes princípios da isenção e do equilíbrio se tornem meras técnicas de fachada. Ou seja: uma boa reportagem não é aquela que simplesmente apresenta as declarações de “ambos os lados”, não só porque uma história pode ter mais de dois lados como também porque, às vezes, pode ter apenas um.
O aprimoramento da qualidade da informação e da discussão pública pode, segundo os autores, ser conseguido através da melhoria da disciplina da verificação, que deve ser mais consciente. Para reforçar o jornalismo de método objetivo, a ciência da reportagem deve seguir cinco princípios: nunca acrescentar o que não existe; nunca enganar o público; ser transparente sobre os métodos e motivos da reportagem; confiar apenas no próprio trabalho de investigação; trabalhar com humildade.
Se uma informação não puder ser checada, verificada, não deve ser utilizada. É por isso que os autores afirmam que reconstruir diálogos, utilizar personagens compostos, sintetizar os fatos e transportar pessoas no tempo são “truques” que não devem ser utilizados pelos jornalistas. O recurso de rearranjar os fatos no tempo e no espaço ou fundir personagens e eventos transforma a não-ficção em ficção. Ao utilizar uma citação, a troca de palavras que não seja para corrigir erros gramaticais deve ser sinalizada ao público. Ao utilizar citações que não testemunhou, o jornalista também deve indicar que a reconstituição deste diálogo foi precedida de verificação. Outra questão está no fato de que o público deve ser informado sobre “como sabemos o que sabemos”: quais são nossas fontes, o que essas fontes sabem, que preconceitos elas demonstram e, principalmente, se há relatos conflitantes com os delas.
Isto traduz o que os autores chamam de “regra da transparência”, que é o elemento mais importante para a melhoria da disciplina da verificação. É ela que permite que o público julgue a validade da informação veiculada, o processo através do qual ela foi obtida e os motivos pelos quais o jornalista julgou importante transmiti-la. Concomitantemente, o empenho do jornalista em ser transparente é fundamental para mostrar seu compromisso com a verdade, é uma das chaves para a credibilidade.
Tal e qual o princípio que orienta o método científico, o jornalismo deve explicar como conseguiu determinada informação e porque confia nela: é isto o que vai fazer com que o público possa e queira reproduzir esta informação. Afirmar simplesmente que “fontes disseram” é uma violação à regra da transparência.
Por outro lado, esta regra da transparência também vale para a relação dos jornalistas com suas fontes, não só porque que elas devem ser informadas sobre o ângulo real da matéria como também porque a negociação do anonimato deve levar em conta os desvios de interesse. Da mesma forma, é preciso avaliar meticulosamente a validade da utilização do disfarce clandestino, aquele que engana a fonte para conseguir informação. Esta avaliação deve, segundo os autores, seguir três princípios: a informação a ser adquirida deve ser vital ao interesse público; o recurso do disfarce está sendo utilizado porque não existe outra forma de conseguir a informação; o público deve ser alertado de que o jornalista manipulou a fonte, explicando a importância da informação para o interesse público e o fato de que esta manipulação foi a única maneira possível de conseguir a informação.
Os autores também listam uma série de técnicas para a disciplina da verificação, a saber:
1. fazer uma edição cética, ou seja, questionar as matérias sem, com isto, estar questionando a integridade do jornalista- o método consiste em julgar uma matéria linha por linha, declaração por declaração, editando as afirmações e os fatos de forma a remover não só os erros factuais como também os erros inconscientes de afirmação e de narrativa (coisas que as pessoas “acreditam” que são verdadeiras);
2. fazer uma lista de exatidão, através da qual o editor deve responder a seis perguntas- o lide da matéria tem consistência?; alguém rechecou os dados da matéria?; as informações colhidas permitem entender a matéria completa?; todas as pessoas que aparecem na matéria estão identificadas e tiveram a oportunidade de emitir seus pontos de vista?; a matéria toma partido ou faz julgamentos de valor?; todas as declarações são exatas e bem atribuídas, captando com precisão o que disseram os entrevistados?;
3. aproximar-se das fontes básicas, evitando repetir sem verificação os relatos ou informações oficiais- a técnica consiste em cruzar os dados referentes ao que é/foi divulgado com a checagem individual com quem/o que divulgou.
Em todas estas técnicas de verificação, os autores ressaltam a importância do comprometimento com a verdade, ou seja: os jornalistas devem aplicar métodos transparentes e sistemáticos de verificação para poderem, como diz BUCCI, fazer com que as pessoas entendam os fatos, o que é, quase sempre, entender o discurso que eles procuram articular por meio dos relatos jornalísticos.
Comentários
Ótimo texto!! Esclarece bem sobre as técnicas!! Anotei todas!
Abraço
Chandra Santos